quinta-feira, 29 de dezembro de 2011

O Luto do Amor!

Dizem que amar anda difícil. Concordo. Mas tenho percebido constantemente que o contrário também é verdadeiro: deixar de amar anda difícil! Por acaso várias pessoas ao meu redor terminaram relacionamentos, seja um namoro de pouco tempo ou um casamento de anos. E as dificuldades são as mesmas.
No amor, ganhar e perder são aprendizados complementares. Aprender a amar e aprender a deixar de fazê-lo, ou senti-lo por uma pessoa, constituem habilidades que se somam. Não são a mesma coisa, claro. Ambas ações mobilizam nossas carências internas, nossos medos, nossos fantasmas do passado, mas de formas diferentes.
Costumo pensar o amor como a síndrome dos opostos. No difícil percurso de subida de sua montanha, chegar ao cume nos proporciona um sentimento de plenitude que nos enche de vida. Contudo, ao descer, novamente aos seus pés, parece impossível nos sentirmos mais vazios, como se a vida tivesse nos abandonado lá encima. Quando a relação acaba, entramos quase que... em luto. Como se estivéssemos num processo de morte, não nossa, não da outra pessoa, mas desse fio invisível chamado relação.
Essa relação entre luto e amor é tão forte que, algumas vezes, as pessoas consideram o espaço vazio tão insuportavelmente doloroso, verdadeiro abismo de solidão, que se matam. A literatura é repleta de casos assim. A pessoa não consegue ultrapassar a depressão e o isolamento. Isso, claro, é um equívoco sobre o que se considera amor. Conheci também casos em que após a separação a pessoa age como se, de fato, a outra tivesse morrido. Chega mesmo a renomeá-la “O falecido”. Graças a Deus nunca acharam o corpo morto e o deram por desaparecido (o que não estava).
A relação entre amor e morte é profunda, e daria pano pra manga. Vamos aqui apenas citar esta relação dentro da teoria que Elisabeth Kübler-Ross, psiquiatra de origem suíça, formulou sobre o luto. Ela escreveu um livro clássico sobre o luto (de morte morrida mesmo) chamado “Sobre a Morte e o Morrer”, onde descreve cinco estágios que as pessoas passam quando entram em contato com a morte, mas que valem para qualquer perda significativa na vida de uma pessoa:

O primeiro é o da Negação e Isolamento. É a forma mais elementar e básica de fugir da dor, e depende da forma com que a própria pessoa, e aquelas que estão ao seu redor, lidam com esse sentimento. Em geral esse estágio não dura muito tempo, contudo nossa diretriz cultural atual nos prega que devemos andar felizes o tempo inteiro, e buscar aproveitar ao máximo os prazeres da vida. Se isto for visto de forma equivocada pode ajudar a piorar um pouco as coisas nesse estágio.
O segundo estágio é o de Raiva. Como a negação e o isolamento não podem durar para sempre, uma hora a ficha cai, a raiva vem como consequência da compreensão de que o mundo não satisfez nossos desejos infantis, de que não foi aquilo que queríamos que fosse. A raiva não deve ser negada, tampouco devemos nos agarrar a ela. Devemos pô-la, sim, para fora, com todo o seu veneno. Como diria o poeta/filósofo, “ter raiva é como tomar veneno e esperar que o outro morra”! Devemos prestar então bastante atenção nesses momentos, pois eles costumam nos mostrar o nó da questão. “Morro de raiva dele porque ele não me apoiou”, insegurança; “Ela me abandonou”, já dito na frase, sentimento de abandono... Essas emoções em geral estão conosco a tempos e permeiam várias e várias relações. Então: prestar atenção e deixar a raiva ir, senão hostilizamos os ambientes e criamos ressentimentos, revoltas e inveja.
O terceiro estágio é a barganha. Como nenhum dos dois estágios resolveu a situação, surge a barganha, ou negociação. Barganhamos com Deus, conosco, com o outro. Já vi mulher dizer que aceita ser amante (também vale para homem, lógico, mas é bem mais incomum), homem falar que agora casa, ou então que definitivamente muda. É a negociação com o sentimento de dor.
Quando a pessoa já não consegue negar, e agredir e revoltar-se não mostram soluções, e a barganha também não resolveu, surge então um sentimento de perda. É o estágio da depressão. Aqui começa a possibilidade de evolução, de aproveitar a perda para tornar-se uma pessoa melhor, rever a própria vida, as atitudes, emoções e sentimentos. Não devemos contudo nos fixar neste momento. Em especial no amor as pessoas tem o costume de achar que amor que é bom dói, ou que só é amor se doer bastante e por um bom tempo. Esta é toda uma herança do nosso conceito de amor romântico, que de fato não tem nos ajudado muito.
O último estágio é a aceitação, onde a pessoa já não experimenta o desespero nem nega a sua realidade. É o momento de repouso e serenidade antes da morte, onde encontra-se a paz, perdoa-se as faltas alheias, assim como as próprias, e se reconecta com a vida.

Esses estágios não são, obrigatoriamente, sucedidos. Como sempre existem exceções. A pessoa pode inclusive pular a negação, a raiva e a barganha, e ir direto para a depressão. Ou permanecer estanque na raiva sem jamais sair dela.
Pessoalmente considero o final de um relacionamento um momento quase sagrado. Justamente por ser um tempo de morte, ele nos abre a possibilidade de um novo encontro com a vida. Agora mais profundo, mais pleno, mais saudável. É como se o buraco aberto no peito fosse uma espécie de olho mágico invertido, e nos ajuda-se a ver melhor nosso lado de dentro. Podemos aprender sobre nós mesmos. A carência provocada pelo término de uma relação amorosa, que nunca é apenas dela mas reflexo de todas as nossas carências enquanto sujeito, nos possibilita justamente seu preenchimento.
Acredito que para isso, contudo, devemos vencer algumas tentações. Cito pelo menos três:
A tentação do confronto, em que tornamos a coisa uma gigantesca guerra. Ou demonizamos o outro, ou demonizamos a nós próprios, buscando fazer com que ele pague na própria carne o suposto mal que nos fez. A tentação do martírio, de ficar cutucando com o pé a beirada do barranco só pra aumentar o tamanho do buraco, transformando-o num verdadeiro abismo. Como disse antes, a perda da relação amorosa evoca nossas faltas do passado. Em alguns casos uma legião inteira de fantasmas e demônios nos assombra, se deixarmos. A tentação da falsa indiferença, onde nos atolamos em trabalho, em outra relação, em novos problemas, tudo para não pensar. É como cair de cara no chão e fingir que não doeu. Nos ocupamos na tentativa de nos escondermos da dor. Em alguns casos funciona, em outros ela vem mais forte depois, mas o mais importante é que com isso negamos toda a possibilidade de aprendizado e de evolução que temos conosco naquele momento. Se cair de cara no chão e seguir em frente, podemos seguir com um nariz quebrado sem saber!
Quando a relação acaba, é tempo de querer-se. Reaprender a viver, reciclar afetos, reconstruir o passado. Mas estas são apenas minhas opiniões e, como escrevi mesmo uma vez, amei, amo e continuarei amando, sem saber ainda o que é o amor.

quinta-feira, 25 de agosto de 2011

O amor e a distância


Diz uma certa linha de pensamento que, o amor, quando verdadeiro, sobrevive a distância. Que o amor sobrevive a tudo e a todos. Richard Bach, mesmo, tem um livro intitulado “Longe é um Lugar que não existe”, onde fala da constante presença do ente amado, presença auréola de um sentimento que sobrepuja o espaço. Já fui adepto deste pensamento, poético, romântico e, porque não dizer, esperançoso. E não digo isto para afirmar que não lhe tenho mais simpatias, mas digamos que mantemos, atualmente, eu e ele, um relacionamento de amistosa desconfiança. Nos gostamos, é verdade, mas também não nos aproximamos muito, como se nosso encontro nos machuca-se.
A questão surgiu quando conversava, esta semana, com uma amiga que mantêm um namoro de três anos de distância. Claro que os dois não estão três anos sem se verem, nem se encontram a três anos de distância (embora isso vala para alguns casais, que mesmo a tanto tempo viajando a velocidade da luz ainda não se encontram), mas mantêm um relacionamento onde, dos 1095 dias que o compõe, nem um sexto foi passado face a face.
Já mantive relacionamentos deste tipo, e atualmente embarco em mais uma experiência, embora a anterior tenha, por assim dizer, naufragado. Duas ideias me vêm a mente.
A primeira afirma que se o amor sobrevive a distância, certamente não significa que ela o faz bem. Falando de outra forma, digamos que, apesar da distancia o amor sobrevive. Ainda sim, esta frase não diz nada sobre a qualidade de vida do amor nestas condições. Maltrapilho, esfomeado, depressivo. a três anos minguando a existência, contudo vivo! Sub-vivo! Claro que neste contexto de guerra tal amor pode ser declarado herói, mas isso pode acontecer se ele for capaz de regressar a sua terra natal, ou se seu corpo se perder em combates estrangeiros. Resumindo. A distância, o amor até sobrevive, mas certamente não vive bem!
Para defender um pouco mais a questão acima, me valho de Vinícius: “Amor é a vontade de estar perto se longe, e mais perto se perto”. Se é a esperança do reencontro que mantém vivo um amor cujos corpos não se encontram, a distancia certamente será um de seus algozes cotidianos. Um sofrimento que arde no peito daquele que quer perto um afeto longe, que espera pelo abraço do braço que não tem, que deseja o carinho que não é capaz de se manifestar cotidianamente em toques, e envia singelas palavras para lhe substituir.
Para sobreviver, ele guarda a foto da amada no bolso, sonha com o regresso ao lar, mantêm esperanças num futuro promissor. Engraçado que isto, por si só, pode levá-lo a hipervalorizar a vida que possuía, e viver num mundo de alucinações amorosas. Sua vida depende disso! E dependerá, pois caso seu retorno não materialize os louros sonhados, o sentimento de ter enfrentado uma guerra sem sentido lhe ruirá o chão. A permanência da dúvida por todos os caminhos que segue também é seu algoz.
Mas existe uma segunda questão que me incomoda ainda mais nesta linha de pensamento, além da devoção a sobrevivência de um amor maltrapilho pela esperança do re-encontro. É de que a sobrevivência, e unicamente ela, garante sua verocimidade! Caso fracasse, provará que não é, ou foi, bom o suficiente, não tinha os méritos do bom e eterno amor. Não era mesmo pra ser.
Esta é a parte que me causa verdadeiro nojo. A presunção de que o amor verdadeiro é aquele que sobrevive, que, digamos assim, se eterniza. Esta mania ocidental de agregar valor apenas ao que se arrasta no tempo me faz entender o porque que da existência de tantos amores constantemente maquiados. Fingem que são jovens, disfarçam as rugas e as olheiras, não aceitam o cansaço da vida, do tempo, não reconhecem que perderam o brilho, não enfrentam, não necessariamente com o término, mas com o corpo aberto, a verdade do desgaste da vida. Mantêm-se porque devem mater-se! Sobrevivem apenas por sobreviver!
Agir assim é creditar ao amor uma função que não lhe pertence, e julgar como principais suas características mais desnecessárias. Amor é verdadeiro quando vale a pena, quando dá prazer, quando produz felicidade. E isto, é claro, não dá para maquiar. A gente pode tentar, se vestir melhor, fazer plásticas e disfarçar o efeito da idade, mas sempre sabe o tempo que tem.
Talvez não tenha sido claro o suficiente, talvez, ao lerem estas meras linhas, lhes fiquem algo como uma multiplicidade de sentidos, de possibilidades. Mas é assim mesmo, falamos de amor, e quando se faz isso nunca convêm explicar muito. Apenas uma última coisa cabe ser dita aqui. Penso que o amor, a distância, mantêm de uma forma peculiar o que acredito ser o principal desafio deste sentimento: manter vivo seu sentido, reinventando-se constantemente!
Podem me perguntar... Ora ora, mas começaste o texto afirmando que novamente embarcaste numa viagem dessas... lhes respondo meus amigos. No amor, nada faz sentido, e é a ausência de sentido que garante a esperança do amor!

Nota do autor

A estrutura do Mosaico é uma forma bastante apropriada para representar a intencionalidade deste blog. Quando construímos um Mosaico, vamos colocando peça por peça na expectativa de, ao final, formar uma figura. As imagens de Mosaico não são tão nítidas, nem tão detalhadas, e suas formas são identificáveis mais facilmente quando constituem figura já conhecida por nós. Ela é feita pela soma de suas pequenas partes, feita pra olhar de longe. Cada peça, em si, pouco constituí, mas em sua finalidade carrega sua razão de ser. E a figura está além destas mesmas partes. Esse é o intuito desta página, e por isso Mosaico é um termo que acredito lhe cair tão bem...

O desafio estabelecido aqui é refletir sobre o amor. Carrego esse passatempo comigo já a bastante tempo. Como um Mosaico, essa reflexão se construirá através de peças que, espero, constituirão uma figura aos poucos... Escrevendo e refletindo sobre poesias, músicas, atitudes, informações... Buscando peças psicológicas, sociológicas, políticas, religiosas... Formando a figura mais detalhada possível, teorizando, refletindo e sentindo não apenas um amor que existiu e que existe, mas em especial a possibilidade de uma forma de amor que virá. Se trata de criar figura nova...

Espero que me ajudes a formar essa figura...

Anda... Coloca logo tua peça...



Rafael Machado

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Há muito tempo não escrevo neste espaço, e existem variados motivos para isso. A entrega total e imparcial a um outro tipo de amor ocupou meus pensamentos por algum tempo... sim, pode não parecer mas falo daquilo que alguns chamam de trabalho! Trabalho, pra mim, é puro tesão, é amor feito visível, e por isso quando me ocupo demais com uma tarefa é porque estou desesperadamente apaixonado por ela. Foi isso que aconteceu nos ultimos 9 meses...
Outro fato é que não amei... sim, e seria de certa forma impossível, ato verdadeiro de infidelidade ao meu sentimento de paixão pelo que fazia, e embora possamos amar mais de uma pessoa ao mesmo tempo, a paixão é bem mais possessiva e não nos permite tamanha flexibilidade...
E descobri uma coisa que já sabia... Só consigo refletir sobre o amor quando amo. Se isso não acontece, nunca atingo a ousadia de terminar uma frase que seja sobre o assunto! Amor é discurso que não cabe na boca de um não iniciado, e para atingir sua verdade é necessário que se percorra o caminho dos sentidos e sentimentos.

Por isso, sem amar, não me autorizo a construir verdades sobre o q não sinto. Mas, através da exigência de uma amiga a postar aqui, fui atrás de meus cadernos... e sim, eles possuiam preciosidades que caberiam neste momento, mais do que em qualquer outro talvez. Essas preciosidades, minhas precisosidades claro, se referem a cartas e pensamentos que escrevi ao longo de relacionamentos na busca por entender e sentir de forma mais autêntica aquilo que acontecia em mim... o amor. Sigo, então, a expor um conjunto de cartas que escrevi para diversas companheiras, geralmenete através de cartas, onde o amor e a reflexão sobre se implicavam um no outro, em busca de libertação!

Rafael Machado
19 de Abril de 2008