quinta-feira, 24 de maio de 2007

A Praga

(Adão e Eva é um dos quadros mais famosos de Dürer. Foi pintado em 1507 e pode ser admirado no Museu Nacional del Prado, em Madrid.)

Recebi este texto por e-mail, afirmando ser de autoria de Rubem Alves... Sempre aviso quando recebo os textos da rede, melhor prevenir que remediar. Sou grande adorador de Rubem Alves, e espero discuti-lo em breve neste espaço... enquanto isso um pouco de seu fantástico pensamento irônico.


A Praga



“Permitir o divórcio equivale a dizer: o sacramento é uma balela. Donde, a Igreja Católica é uma balela...”



É bom atentar para o que o papa diz. Porta-voz de Deus na Terra, ele só pensa pensamentos divinos. Nós, homens tolos, gastamos o tempo pensando sobre coisa sem importância tais como o efeito estufa e a possibilidade do fim do mundo. O papa vai direto ao que é essencial: “O segundo casamento é uma praga!”


Está certo. O casamento não pertence á ordem abençoada do paraíso. No paraíso não havia casamento. Na Bíblia não havia indicação de que as relações amorosas entre Adão e Eva tenham sido precedidas pelo cerimonial a que hoje se dá o nome de casamento: o Criador, celebrante, Adão e Eva nus, de pé, diante de uma assembléia de animais, tudo terminando com palavras sacramentais: “E eu, Jeová, vos declaro marido e mulher. Aquilo que eu juntei os homens não podem separar...”


Os casamentos, o primeiro, o segundo, o terceiro, pertencem á ordem maldita, caída, praguejada, pós-paraíso. Nessa ordem não se pode confiar no amor. Por isso se inventou o casamento, esse contrato de prestações de serviços entre marido e mulher, testemunhando por padrinhos, cuja função é, no caso de algum dos cônjuges não cumprir o contrato, obrigá-lo a cumpri-lo.


Foi um padre que me ensinou isso. Ele celebrava o casamento. E foi isso que ele disse aos noivos: “O que vos une não é amor. O que vos une é o contrato”. Aprendi então que o casamento não é uma celebração do amor. É o estabelecimento de direitos e deveres. Até as relações sexuais são obrigações a ser cumpridas.


Agora imaginem um homem e uma mulher que muito se amam: são ternos, amigos, fazem amor, geram filhos. Mas, segundo a igreja, estão em estado de pecado: falta ao relacionamento o selo eclesiástico legitimador. Ele, divorciado da antiga esposa, não pode se casar de novo porque a igreja proíbe a praga do segundo casamento. Aí os dois, já no fim da vida, são obrigados a se separar para participar da eucaristia: cada um para um lado, adeus aos gestos de ternura... Agora está tudo nos conformes. Porque Deus não enxerga o amor. Ele só vê o selo eclesial.


O papa está certo. O segundo casamento é uma praga. Eu, como já disse, acho que todos são uma praga, por não se da ordem paradisíaca, mas da maldição. O símbolo dessa maldição está na palavra “conjugal”: do latim, “com”= junto e “jugus”= canga. Canga, aquela peça pesada de madeira que une dois bois. Eles não querem estar juntos. Mas a canga os obriga, sob pena do ferrão...


Por que o segundo casamento é uma praga? Porque, para havê-lo, é preciso que primeiro seja anulado pelo divórcio. Mas, se a igreja admitir a anulação do primeiro casamento, terá de admitir também que o sacramento que o realizou não é aquilo que se afirma ser: um ato realizado pelo próprio Deus. Permitir o divórcio equivale a dizer: o sacramento é uma balela. Donde, a igreja é uma balela... o divórcio ela seria rebaixada do seu lugar infalível e passaria a ser apenas uma instituição falível entre outras. A igreja não admite o divórcio não é por amor á família. É para manter-se divina...A igreja, sábia, tratou de livrar seus funcionários da maldição do amor. Proibiu-os de se casarem. Livres da maldição do casamento, os sacerdotes têm suprema felicidade de noites de solidão, sem conversas, sem abraços e nem beijos. Estão livres da praga...



RUBEM ALVES

A Provocação




A provocação para criar este blog surgiu de algumas discussões que participei na comunidade Amor Livre, no orkut. Provocação não com sentido de ter sido desafiado por alguém, mas do significado latino, pro vocare, algo como chamar a vocação de volta... As discussões naquela comunidade fizeram isso comigo. Compreendi nas falas que li um anseio forte em vencer formas de relacionamento repressivas, sufocantes, angustiantes, que não ajudariam a pessoa a vivenciar toda a sua capacidade de amar. Porém, embora as intenções sejam verdadeiras, existe muita confusão ao lidar com novos conceitos e definir novas coisas, o que acredito provocar uma dificuldade no processo de construção da mudança.

Assim, acho justo que os primeiros textos que poste neste blog sejam frutos dos comentários que postei na comunidade Amor Livre, pois foram suas discussões que me provocaram até aqui e foi lá que percebi que já era a hora de divulgar essas idéias. O texto que segue, portanto, é baseado num comentário sobre o tópico:



Afinal... O que é o amor???


Há muito tempo eu escrevi sobre um relacionamento, e as palavras têm se fortificado a cada novo enlace... Amei, amo, e continuarei amando, sem saber ainda o que é o amor. Anos depois Roberto Freire me abençoou com sua graça, afirmando que do amor é impossível fazer biópsia, somente autópsia. Contudo, invariavelmente, me pego constantemente em duas indagações filosóficas: "O que é o amor?" é a reflexão que surge quando estou sozinho, e "Eu amo?" é pergunta freqüente logo que me apaixono. A primeira pergunta me cala, a segunda me apavora.

Confesso que tenho uma certa inveja das pessoas que me afirmam que não se preocupam com essas dúvidas, afirmando categoricamente que definir é limitar, e que é impossível definir o amor. De certo modo, concordo com elas, mas acho que existe mais, que a importância da pergunta é maior. Afinal, como saber se amo se não sei (definir) o que é o amor? Ainda lembro do medo que tinha, e que em parte ainda tenho, pra falar os primeiros "Eu te amo". O primeiríssimo, o que tirou minha virgindade amorosa, levou seis meses para sair, e quando saiu me deixou um sentimento de culpa que levei mais três meses para dar "um foda-se". Pensava nas conseqüências caso minha fala não fosse verdade, e pior, pensava nas terríveis conseqüências caso ela fosse. Acreditava que o ato de pronunciar essas três pequenas palavras prenunciavam uma divida eterna para com a outra pessoa, uma prisão perpétua para com ela, deixando-me submisso e vulnerável frente aos seus caprichos . Mas o tempo, a prática e a persistência mudaram algo em mim... deixei de sentir medo do "Eu te amo", tanto de falar como de ouvir, e isso aconteceu embora minha capacidade de definição do Amor pouco tenha se transformado... O que mudou então???

Como falei anteriormente, também compartilho da idéia de que definir é limitar, pelo menos em alguns casos. Contudo acredito que o ato de definir também ilumina. Somos homo sapiens sapiens... nossa evolução foi categorizada cientificamente pelo tamanho de nosso cérebro e nossa capacidade cognitiva, e deste então o amor tem se negado a render-se ao nosso progresso, foge de nossos conceitos e escapa de nossas conclusões. Contudo, a palavra dita liberta. Mesmo sem saber o que é o Amor, sem conseguir descrever os traços de sua face, suas formas ou cores, o primeiro "Eu te amo" que pronunciei, o primeiro que senti absolutamente como verdadeiro, surpreendeu-me. Surpreendeu-me o fato de que, após pronunciá-lo, não senti medo, não senti dúvida, vergonha e tão pouco pesar, e se nada disso aconteceu, por certo era porque eu realmente amava. Ou seja: descobri que amava após pronunciar a palavra amor.

Acredito sinceramente que somos analfabetos emocionais... tentamos utilizar a lógica racional para compreender fenômenos que não a tangem. Buscamos fórmulas cognitivas, lineares e causais: A + B = Amor; capturar sinais que denunciem sua presença, que precipitem sua manifestação... Razão lógica muito eficaz para matemática, mas nada prudente para lidar com as emoções.
A verdadeira questão, me parece, se trata de aprender a pensar com o corpo inteiro. É um pensar não cognitivo, mas aprender com o tempo a identificar aquilo que se sente, seja raiva, inveja, paixão ou amor. Reconhecer o sentimento em sua forma natural, ao invés de codificá-lo como conceito, reconhecê-lo como lingaguegm próprio de sentimento, de sensações do corpo, de poesia da alma... ou então das sensações da alma e da poesia do corpo. Mas, definitivamente, tenho aprendido que não é possível levar o amor tão a sério, ainda mais quando me pede que apenas brinque com ele...

Mosaico

Nem olho por olho...
Nem dente por dente...
Mas peça por peça...
E ponto por ponto...

Sair sem saber aonde chegar...
Partir sem intenção alguma...

Apenas juntar peças e unir pontos!
Cada peça existindo em liberdade,
Sem imagem que se forme na negação...
Assim é possível representar o amor!

Rafael Machado

Nota do autor

A estrutura do Mosaico é uma forma bastante apropriada para representar a intencionalidade deste blog. Quando construímos um Mosaico, vamos colocando peça por peça na expectativa de, ao final, formar uma figura. As imagens de Mosaico não são tão nítidas, nem tão detalhadas, e suas formas são identificáveis mais facilmente quando constituem figura já conhecida por nós. Ela é feita pela soma de suas pequenas partes, feita pra olhar de longe. Cada peça, em si, pouco constituí, mas em sua finalidade carrega sua razão de ser. E a figura está além destas mesmas partes. Esse é o intuito desta página, e por isso Mosaico é um termo que acredito lhe cair tão bem...

O desafio estabelecido aqui é refletir sobre o amor. Carrego esse passatempo comigo já a bastante tempo. Como um Mosaico, essa reflexão se construirá através de peças que, espero, constituirão uma figura aos poucos... Escrevendo e refletindo sobre poesias, músicas, atitudes, informações... Buscando peças psicológicas, sociológicas, políticas, religiosas... Formando a figura mais detalhada possível, teorizando, refletindo e sentindo não apenas um amor que existiu e que existe, mas em especial a possibilidade de uma forma de amor que virá. Se trata de criar figura nova...

Espero que me ajudes a formar essa figura...

Anda... Coloca logo tua peça...



Rafael Machado

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Há muito tempo não escrevo neste espaço, e existem variados motivos para isso. A entrega total e imparcial a um outro tipo de amor ocupou meus pensamentos por algum tempo... sim, pode não parecer mas falo daquilo que alguns chamam de trabalho! Trabalho, pra mim, é puro tesão, é amor feito visível, e por isso quando me ocupo demais com uma tarefa é porque estou desesperadamente apaixonado por ela. Foi isso que aconteceu nos ultimos 9 meses...
Outro fato é que não amei... sim, e seria de certa forma impossível, ato verdadeiro de infidelidade ao meu sentimento de paixão pelo que fazia, e embora possamos amar mais de uma pessoa ao mesmo tempo, a paixão é bem mais possessiva e não nos permite tamanha flexibilidade...
E descobri uma coisa que já sabia... Só consigo refletir sobre o amor quando amo. Se isso não acontece, nunca atingo a ousadia de terminar uma frase que seja sobre o assunto! Amor é discurso que não cabe na boca de um não iniciado, e para atingir sua verdade é necessário que se percorra o caminho dos sentidos e sentimentos.

Por isso, sem amar, não me autorizo a construir verdades sobre o q não sinto. Mas, através da exigência de uma amiga a postar aqui, fui atrás de meus cadernos... e sim, eles possuiam preciosidades que caberiam neste momento, mais do que em qualquer outro talvez. Essas preciosidades, minhas precisosidades claro, se referem a cartas e pensamentos que escrevi ao longo de relacionamentos na busca por entender e sentir de forma mais autêntica aquilo que acontecia em mim... o amor. Sigo, então, a expor um conjunto de cartas que escrevi para diversas companheiras, geralmenete através de cartas, onde o amor e a reflexão sobre se implicavam um no outro, em busca de libertação!

Rafael Machado
19 de Abril de 2008